“A democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”
A Guiné-Bissau enveredou pelo regime da democracia pluralista desde os primórdios dos anos 90 mas, todavia, os progressos registados estão aquém do que se esperava uma vez que, devido a fatores vários, o país tem vivido aos solavancos, em crises políticas e institucionais cíclicas, aparentemente, em busca do rumo ideal, ainda por definir.
Não obstante isso, existem dezenas de formações político-partidárias cada qual dotada de programa com linhas de orientação e metas traçadas, que, supostamente, têm em conta os anseios do povo e a ciência exata das ações a implementar para alcançarem ou, no mínimo, se aproximarem dos desideratos visados.
Hoje, é um facto: o país vacila entre as práticas protagonizadas por cidadãos animados por motivações diversas alicerçadas na luta renhida pelo poder político, que divide a sociedade, em pólos de interesses manipulados por atores com perfis que variam, nitidamente, o que dificulta a adjetivação correta de qualquer deles com isenção e propriedade.
TELEMÓVEL NA GUINÉ-BISSAU
No próximo mês de dezembro, o país completa 20 anos de uso do telemóvel (telefone celular), introduzido pela companhia GuinéTel, empresa pública, posteriormente seguida sucessivamente pela Spacetel (hoje MTN) e Orange Bissau (2007), ambas privadas, que operam serviços de telefonia móvel e internet móvel.
Na verdade as operadoras móveis introduziram alterações importantes no país, não só no relacionamento entre os cidadãos, nos diferentes setores, a nível das instituições, indiscriminadamente, mas, também, e, essencialmente, com o mundo fora em diferentes níveis.
A Guiné-Bissau, efetivamente, não constitui exceção no capítulo da apropriação das vantagens e facilidades que são propiciadas pelas NTIC’s (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação) bem como dos aparatos tecnológicos conexos (internet, câmaras fotográficas, softwares, telemóveis…). Certamente, devido às suas conhecidas limitações económico-financeiras, não tem feito uso pleno de todas as vantagens que são oferecidas nesta matéria.
O país apanhou a boleia das NTIC’s, particularmente as atinentes aos telemóveis, internet, tv, e o povo passou a ter o mundo ao seu alcance permanentemente. Só que, tal como noutras partes do mundo, o advento das modernices introduzidas por via das NTIC’s se bem que trouxe vantagens nunca dantes vistas no domínio das comunicações no país, também provocou mudanças comportamentais dignas de menção, pelo que valem, em termos positivos, assim como as que deixam muito a desejar pelos males que induzem.
O universo aberto possibilita o acesso a novidades surpreendentes, novas oportunidades de contactos a vários níveis, novas possibilidades de obter informações em tempo real, e, formas de comunicação, sempre que se queira, por meio de textos, sons e imagens, quando reunidas as condições ideais para tal.
FAKE NEWS
Neste momento, a Guiné-Bissau abeira-se das eleições legislativas que, ao que tudo indica, serão disputadíssimas a todas os níveis. Como já se viu algures, nas eleições circulam informações diversas entre os concorrentes e no seio da sociedade. Nesse contexto, as célebres FAKE NEWS (notícias falsas em inglês), são reais, e podem ser particularmente acutilantes no período que vai da pré-campanha, passando pela campanha propriamente dita até a fase pós eleitoral, depois da publicação dos resultados definitivos, a formação do governo, a investidura dos deputados e o início do exercício da Assembleia Nacional Popular.
Os efeitos das notícias falsas nas redes sociais tornaram-se tão perniciosos no Mundo, que a UNESCO organizou, no pretérito mês de fevereiro, uma conferência internacional, em Paris, França, em que os participantes debateram a necessidade da crição de REGULAMENTOS para as plataformas das redes sociais, que permitam fazer face ao fenômeno NOTÍCIAS FALSAS.
A iniciativa é louvável se se tiver em conta o impacto que, graças à evolução das novas tecnologias, as FAKE NEWS produzem na vida dos cidadãos e nas sociedades, um pouco por toda a parte. Os efeitos fazem-se sentir mais quando instigam violências verbais e física, criam e promovem crises, instabilidades e alterações das ordens política, institucional e constitucional. Os exemplos de vulgarização de informações falsas durante eleições são diversos. Por isso Alemanha, França, Brasil, Malásia, Quénia criminalizam a publicação de “dados falsos, enganosos ou fictícios”.
NA GUINÉ-BISSAU
No caso concreto da Guiné-Bissau, devido às suas fragilidades, tiradas as devidas ilações, conclui-se que, visto e devido às circunstâncias, tarde ou cedo haverá uma regulamentação ao uso da plataforma das redes sociais. Neste particular, é desejo de todos que haja controlo sim mas, fundamentalmente, sem descurar o respeito às leis, aos direitos fundamentais do cidadão bem como os fundamentos de base que alicerçam a Guiné-Bissau enquanto estado de direito democrático.
Não se pode ignorar a guerra ferrenha entre ativistas políticos das múltiplas tendências, e, nalguns casos, ativistas sociais contra o poder político, por divergências diversas, cada qual advogando os seus propósitos, supostamente, em defesa dos interesses superiores da Pátria e do Povo.
Se por um lado os ativistas exageram no uso dos recursos das NTIC’s, reiteradas vezes, em termos eivados de agressividade verbal amalgamadas de injúrias, calúnias e difamações, o poder político, alegadamente, recorre ao uso de meios musculados para impor a ordem e o respeito aos órgãos de soberania, com destaque ao espancamento, para intimidar e silenciar as vozes críticas discordantes. As partes têm trocado pesadas acusações revelando aos cidadãos situações e factos que sustentam os respetivos posicionamentos sobre as teses que sustentam.
O certo é que, num regime democrático incipiente, como este, as fake news repercutem ecos intensos, que se multiplicam e se estendem alcançando todos os componentes do mosaico que ilustra a diversidade religiosa, étnica e político-partidária do país com todas as consequências subjacentes.
OS RUMORES
A propensão do guineense por rumores; a seriedade com que este fenómeno é encarado no país, a credibilidade que lhe é conferida, fazem com que as verdades e as inverdades se misturem tal como os enredos que se orquestram em diversas situações para engendrar os “casos” (de triste memória, como os célebres que estiveram na origem de tentativas e inventonas de supostas alterações da ordem constitucional, que nalgumas situações geraram, no mínimo, prisões de inocentes e, no pior dos cenários, até levaram a perdas de vidas humanas. Daí a triste celebridade que emoldura a Guiné-Bissau como país instável, que vive crises periódicas que têm obstaculizado o seu progresso e desenvolvimento catapultando-o a mergulhar cada vez mais em avultadas dívidas, nomeadamente, com instituições de Bretton Wood e não só, para financiar o seu desenvolvimento.
A contrapor-se à falsa ilusão de crescimento econômico, a produção e a produtividade mantêm-se em stand-by enquanto o nível de vida dos cidadãos vai deslizando aos piores indicadores.
É precisamente neste ponto, que entra o sensacionalismo de alguma Mídia, de algumas organizações não-governamentais e organizações sócio-profissionais, que fazem uso das novas tecnologias de informação e comunicação, concretamente, recorrendo ao uso da internet, para flagelarem ostensivamente os aspetos que entendem ser menos relevantes em detrimento das melhorias que o regime anuncia como estando a verificar-se, gradualmente, um pouco pelos diferentes setores nacionais.
De parte a parte tem havido exageros tanto na minimalização dos feitos positivos assim como na maximização dos erros cometidos. No meio de tudo, a DESINFORMAÇÃO (animada por intrigas, calúnias e difamações gratuitas) sobre questões da atualidade nacional, através das redes sociais, tem criado um mal-estar crescente e permanente, que acentua o desconforto no relacionamento entre os cidadãos.
AS CLIVAGENS
As clivagens que se vão criando impedem aproximações para debates sérios e profundos sobre as grandes questões nacionais, particularmente, os projetos de interesse nacional de cariz de desenvolvimento. Os rumores são pão-nosso-de-cada-dia, o sigilo não existe no aparelho do estado… A corrupção ganha proporções incomensuráveis não obstante os discursos de condenação da prática e as promessas do seu “combate sem tréguas”…
“Patriotas ferrenhos”, quais lobos disfarçados em peles de cordeiros, vão produzindo e promovendo fake news que desestabilizam, intranquilizam a sociedade em geral, geram instabilidades permanentes, enquanto fingem que, com essa atitude, prestam serviços relevantes ao povo… Como é que o cidadão que invetiva os orgãos de soberania, incentiva a classe castrense ao levantamento, ao uso da violência para alterar a ordem institucional e constitucional para resolver problemas de cunho político num regime democrático, pode arvorar-se em democrata?
É neste estado, que a Guiné-Bissau, um país, alegadamente, de Direito Democrático, vai às eleições legislativas que, habitualmente, têm sido classificadas de livres, justas e transparentes; correm lindamente, mas no DAY AFTER, depois da publicação dos resultados finais, os ânimos se exaltam gerando barafundas e desordens incendiárias… Felizmente nunca passaram disso…
Humberto Monteiro