A Guiné-Bissau no dia 24 de setembro vindouro, celebra 50 anos da sua existência como estado livre e soberano. A proclamação unilateral da independência total foi feita oito meses e quatro dias depois do vil assassínio de Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), arquiteto da épica luta armada de libertação contra a dominação colonial fascista portuguesa, fundador das nacionalidades guineense e cabo-verdiana.
Apesar de tudo o que se pode dizer sobre a Guiné-Bissau, e, não obstante todos os sobressaltos por que passou, devido a circunstâncias diversas, é um estado de direito democrático, reconhecido internacionalmente, que, no âmbito das suas disposições constitucionais, acaba de realizar as eleições legislativas que foram consideradas, tanto pelos atores políticos nacionais como pela comunidade internacional, livres, justas e transparentes.
A Assembleia Nacional Popular inaugurou a décima primeira legislatura com 54 deputados da coligação PAI Terra Ranka, 29 do Movimento para Alternância Democrática – Grupo dos 15 (MADEM G-15), 12 do Partido da Renovação Social (PRS), 6 do Partido dos Trabalhadores Guineenses (PTG) e 1 da Assembleia do Povo Unido-Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU–PDGB). Preside o parlamento o presidente do PAIGC e da coligação PAI Terra Ranka, Domingos Simões Pereira, tendo como 1º vice-presidente Fernando Dias, Presidente do PRS, e 2ª vice-presidente Satú Camara Pinto do MADEM G15.
O novo Governo nomeado pelo Presidente Umaro Embaló, tendo em conta os resultados das eleições legislativas é composto por 19 ministérios e 15 secretarias de estado tendo à testa Geraldo João Martins como Primeiro-Ministro.
Importa sublinhar neste introito, que, precisamente, no ano em que a Guiné-Bissau celebra o seu quinquagésimo aniversário, uma grande parte dos cidadãos constituída pelos agricultores produtores da castanha de caju, vive momentos particularmente dolorosos. Em consequência, o povo em geral, sofre diretamente os efeitos de uma campanha muito politizada e mal-organizada desde a sua fase embrionária. O estado, como é óbvio, está em vias de perder milhares de dólares, dos impostos da campanha malsucedida daquele que é considerado o principal produto de exportação. Nesta ordem, parece haver (ou há) um mal-estar, real, generalizado, que afeta toda a gente, indiscriminadamente, sem qualquer exceção, da cidade ao campo e vice-versa, da base à mais alta instância da administração pública devido às ligações que existem entre os diferentes setores bem como os seus componentes.
Se por um lado há cidadãos politicamente “comprometidos” ou “bem intencionados”, que com gáudio contam alegados sucessos do regime que deteve o poder, na governação, na construção e reparação de rodovias, cooperação internacional – “resgate da imagem do país”, esparsas melhorias nos setores sociais; por outro lado, o reverso do cenário revela os críticos que enumeram, exaustivamente, supostas situações de má gestão da coisa pública, corrupção generalizada, injustiças, abusos de poder perpetrados pelo aparelho da governação, a todos os níveis, com reflexos nefastos de amplas dimensões e consequências que podem ser gravosas, a curto, médio ou longo termos, obviamente.
Sobretudo, alguns críticos observam que está a proceder-se, intencional e liminarmente, à DESCONSTRUÇÃO DA REPÚBLICA cuja RECONSTRUÇÃO, tem sido, até aqui, apenas um sonho pois nunca atingiu o patamar minimamente aceitável pelo mais complacente patriota, que no último cinquentenário tem vindo a viver e a acompanhar de perto, dia a dia, as circunvoluções da Pátria de Cabral, principalmente nas vertentes, social, cultural, política, económica…
A DESCONSTRUÇÃO, aparentemente, “bem pensada”, que acontece, na ótica desses cidadãos, está a ser feita de forma metódica. A sociedade, em geral, está a ser afetada e a sofrer por isso. O SISTEMA, os atores que lhe dão vida, visivelmente, estão convencidos de que “não é nada de outro mundo”, que a desestruturação da Pátria não existe, mas, o que acontece, simplesmente, a olhos vistos é, somente, fruto de intrigas políticas, mexericadas de gente mal-intencionada, e, algum atabalhoamento na gestão da coisa pública.
Certamente, por “não existir” uma desconstrução efetiva do estado é que, presumivelmente, estas situações, apesar de serem descabidas, são aceites como normais porque DJITU KA TEM:
FAMÍLIA
- Na MORANÇA, o desentendimento é por demais patente para ser ignorada ou para passar despercebido. A desobediência é generalizada – filhos (educandos) não se entendem com os pais (educadores), desautorizam, desafiam a autoridade paternal; os cônjuges não se respeitam. A inversão dos valores que se verifica, apesar de ser contra os bons usos e costumes, aparentemente é aceite porque, como se diz, aqui e ali, com acentuado conformismo, porquanto não se pode fazer doutro modo dada a exiguidade das margens de manobras e por não haver muitas oportunidades dignas desse nome.
A carestia da vida, os aumentos dos géneros da primeira necessidade, entre outros produtos, os baixos salários que os cidadãos trabalhadores auferem tanto no setor público como no privado, a fraca produção agrícola (neste país essencialmente agrícola), são fatores que influenciam negativamente a convivência familiar. Outro fator que tem sido desestruturante da família guineense, é a política. A proliferação de partidos políticos reflete-se no seio da família guineense onde vigora aquilo que hoje se diz à boca cheia “lado lado”. Quer dizer, lato sensu, cada um tem a sua preferência e, em consequência, cada um milita onde entende que pode ter espaço para realizar minimamente as suas ambições.
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
- No aparelho de governação impera a desordem. As pretensas reformas da administração pública, continuam a não justificar os avultados montantes alocados para o efeito. Por isso, a anunciada reforma na administração pública persiste em não fazer fé, à medida do projetado. A sua politização efetiva pelos detentores do poder político que se sucedem tem sido o maior obstáculo para a implementação das recomendações e das medidas de saneamento previstas. Em consequência, as nomeações políticas, paralelas à progressão na carreira no âmbito do EPAP (Estatuto do pessoal da administração Pública) têm sido práticas recorrente cada vez que um novo executivo entra em exercício de funções.
EDUCAÇÃO
- O estado calamitoso do sistema educativo reflete-se dramaticamente na qualidade dos alunos/estudantes/ formandos, que concluem as formações académicas em todos os estágios. Apesar dos lamentos e dos subsequentes protestos, não se observam mudanças objetivas satisfatórias com base nas necessidades e reclamações muitas vezes procedentes de organizações sociais de alguma credibilidade. Os diferentes níveis do ensino, do primário ao universitário, sofrem as consequências da acentuada desorganização do setor, originada, sobretudo, pelas nomeações política dos responsáveis e dirigentes que têm vindo a ser feitas sem ter em conta a devida tecnicidade que se impõe para o exercício dessas funções, dada a especificidade da área.
- É inquestionável, que as mudanças frequentes da entidade de tutela, estrutura orgânica e de funcionamento, a ausência de medidas estruturantes apropriadas e profundas, programas elaborados tendo em consideração a realidade do país, refletem-se de alguma forma no sistema educativo vigente. Existe um flagrante desnível entre os estabelecimentos de ensino, designadamente, entre os conteúdos programáticos e na calendarização do ano escolar. A consequência mais visível, é o desnível que se verifica entre os alunos das escolas privadas e públicas. Os diplomas e os certificados têm o mesmo valor, mas, a preparação dos detentores, tem diferenças substanciais.
Os agentes do ensino, os estabelecimentos do ensino, públicos e privados, tais como as suas respetivas prestações, que se pode considerar que oscilam entre o bom, o sofrível (em poucos casos) e o mau, são reflexos dessa realidade. Em termos de docentes, as escolas de formação de professores funcionam regularmente, conferem os conhecimentos teóricos indispensáveis. Mas, no entanto, críticas não faltam sobre a forma como desempenham as suas funções, essencialmente, a qualidade que imprimem à transmissão dos conhecimentos de acordo com os currículos escolares programados superiormente, portanto, de caráter obrigatório. Em todos os níveis verificam-se alguma impreparação técnica e pedagógica dos agentes docentes.
A questão dos salários dos quadros públicos da docência, do setor público, tem sido um fator de estrangulamento ao normal funcionamento das escolas devido às longas e frequentes greves de paralisação das aulas. As ondas de reivindicações para aplicação de uma nova grelha salarial, aplicação da carreira docente, tiveram efeitos negativos no sistema da educação.
SAÚDE
- O sistema de saúde, também em estado desastroso e de degradação, ainda está longe de satisfazer a demanda dos cidadãos em termos de atendimentos (elaboração de diagnósticos fiáveis através de equipamentos adequados e modernos) e, muito menos, em termos de qualidade e de prestação dos tratamentos apropriados através de meios modernos a condizer com cada situação singular, tendo em conta a respetiva especificidade.
Ainda persistem corridas frenéticas em busca de juntas médicas para tratamentos especializados no estrangeiro, nomeadamente Portugal, não obstante a morosidade que envolve o processo, sobretudo, no que tange a obtenção de vistos de entrada. Os funcionários públicos ainda experimentam dificuldades na obtenção de apoio do governo, para custear a cobertura dos chamados ‘encargos com saúde’. Mas, por outro lado, há que referir a dificuldade que as entidades governamentais experimentam para controlar os funcionários públicos que se deslocam ao estrangeiro com documentos que atestam enfermidades que não podem ser tratadas no país. Muitas vezes, os alegados doentes que não são doentes, do estrangeiro enviam atestados que justificam a ausência do país, facto que lhes permite continuar a auferir dos seus salários duplicando dessa forma os seus ganhos. Mas, contudo, tem havido alguma reação da entidade que gere os recursos humanos das instituições públicas através da adoção de medidas tendentes a pôr cobro, gradualmente, a essa prática que dalguma forma pesa no OGE.
Neste setor, apesar da existência de estabelecimentos de formação, fala-se da impreparação dos quadros. Na verdade, faltam investimentos mais avultados não só em infraestruturas e equipamentos modernos, mas, também, na formação, superação técnica e profissional, aperfeiçoamento dos quadros em novas tecnologias para aprimoramento no uso de novos aparelhos que hoje em dia bastante contribuem na redução de óbitos nos hospitais. As regiões, setores e tabancas ainda continuam a não possuir os meios adequados, suficientes, para darem resposta e, em consequência, estarem à altura da demanda dos cidadãos, em termos de atendimento, prevenção de algumas doenças e no combate às patologias endémicas.
As carências nos maiores centros hospitalares nacionais e regionais são reflexos da fraca alocação de verbas anuais através do OGE.
A colmatação do muito que falta nos setores sociais, nomeadamente, educação e saúde depende da flexibilidade do Governo na distribuição do orçamento.
INFRA-ESTRUTURAS RODOVIÁRIAS E MARÍTIMAS
- As vias rodoviárias, e, as marítimas, não obstante os aparentes esforços em curso, ainda estão aquém das necessidades dos cidadãos. Os protestos que os cidadãos manifestam, têm a ver com as metas fixadas pelo poder político para esta área, propagandas para angariar ganhos políticos, não batem com as do povo cujo desejo é, essencialmente, poder movimentar-se pelo país para a satisfação dos seus interesses. As estradas estão como estão. Embora bem articuladas nos projetos, a sua implementação na prática tarda a acontecer. Daí as dificuldades que se verificam não só nas deslocações, contatos entre as regiões, como também, no escoamento dos produtos agrícolas, entre outros.
- As vias marítimas não são devidamente aproveitadas por falta de meios apropriados, suficientes, para fazer as ligações entre a capital e a região insular Bolama/Bijagós e, também, com as regiões do Sul, Quínara e Tombali, e, as do Norte, Cacheu e Oio. Aproveitadas devidamente, essas vias bem poderiam facilitar não só a circulação das pessoas, mas, também, o escoamento de muitos produtos agrícolas.
- Presentemente as deslocações por essas vias envolvem alguma falta de segurança, visto que as pirogas de fabrico artesanal usadas não reúnem as condições de segurança que se recomendam. Além disso, devido a escassez de navios em condições e devido às frequentes deslocações das populações, os preços praticados para as movimentações são, em certa medida, excessivos.
ÓRGÃOS DE SOBERANIA
- Os órgãos de soberania, devido à sua importância e tendo em consideração o seu papel na sociedade e no país em geral, carecem de melhorias para que a democracia se consolide em bases mais sólidas que as atuais. Em muitos setores da sociedade são tidos como desvirtuados, pois que, funcionam à imagem e semelhança do país que, visto a forma em que se encontra e tendo em linha de conta o seu estado, está se desconstruindo a olhos vistos. Na ótica dos críticos, alegadamente, existe sobreposição onde, por força da lei, não deve haver.
- Os que se ralam com isso, apesar de nada poderem fazer, não deixam de alimentar esperanças de que, dia virá em que tudo rodará como deve ser.
- Os que não se ralam com isso, supostamente, estão impávidos e serenos na vida que levam.
PARTIDOS POLÍTICOS
- Dos Partidos Políticos há que apontar a forma como têm sufocado o país através dos seus dirigentes com a aplicação de práticas pouco recomendáveis – apadrinhamentos, protecionismo, … O sistema de exercício do poder político, adotado, que relega a meritocracia ao último lugar de forma a retardar o progresso e o desenvolvimento, é realidade insofismável. Os que sabem ficam atrás, os que não sabem progridem.
- Oportunistas políticos vestidos de roupagem multicolor, mas despidos de convicção patriótica, pulam de partido a partido, mudando de filiação, em busca de novos patrões que lhes concedam novas oportunidades e garantias de novos postos ministeriais ou direções de grandes empresas ou, ainda, postos diplomáticos no exterior.
FORÇAS ARMADAS
- A classe castrense à deriva… é ensombrada perniciosamente por políticos de ideias obscuras, animados de intenções dúbias que, na realidade, não têm enquadramento no que se pode chamar “interesses superiores” da Pátria e do povo. Este grupo de cidadãos, ao qual compete garantir a segurança e a integridade territorial da República, tem sofrido manipulações que redundaram em crises que embaralharam séria e gravemente o país não o deixando progredir devidamente, com reflexos positivos, visíveis, na vida dos cidadãos.
Todos os casos que sucederam na Guiné-Bissau, tiveram como protagonistas as forças armadas, que, em todas as crises cíclicas, estiveram presentes como alicerces das alterações institucionais e da ordem democrática. Na prática, é convicção generalizada de que os males da Guiné-Bissau, da independência a esta parte, devem-se às perturbações periódicas provocadas pelos militares sob a batuta de civis dissimulados de políticos bem-intencionados.
E, prossegue a desconstrução do estado e das instituições da República… cada vez com maior celeridade e relevância, por obra e graça de alguns políticos impreparados, truculentos, ambiciosos, que vivem ludibriando os cidadãos incautos, com todas as consequências subjacentes, não se coibindo de arrecadar benesses individuais que não servem e nem beneficiam a coletividade em que se encontram inseridos, que alegadamente representam.
Eternas, as intrigas ainda estão presentes no quotidiano dos guineenses, especialmente, nos meandros do poder político. Multiplicam-se as cabalas, instigações aos preconceitos religiosos, tribais, detrações, por todos os meios, mormente, através das redes sociais que hoje em dia se estendem aos quatro cantos do país e do mundo.
Não há debates de ideias, de projetos de desenvolvimento, discussões objetivas, que conduzam a melhorias políticas, sociais, económicas, entre outras, suscetíveis de eliminarem, mesmo que seja gradualmente, os maus hábitos, as más práticas de governação. Paradoxalmente, há organizações da sociedade civil, organizações políticas, organizações académicas, e, doutras índoles, que bem poderiam incentivar diversas ações nesse sentido que servissem de subsídios valiosos aos detentores do poder para melhorarem os seus projetos e planos assim como a performance das suas atividades imprimindo-lhes uma maior dinâmica.
Como se pode facilmente observar, tanto no dia a dia dos cidadãos como através das redes sociais, os guineenses são propensos à criação de rumores com base em fundamentos diversos (que variam de temas pessoais referentes aos dirigentes, líderes políticos, oficiais militares, a temas sobre o estado da Pátria…) muitas vezes, com requintes de malvadez. Os pensamentos positivos (atinentes à paz, estabilidade, progresso e desenvolvimento), não são privilegiados. Inversamente as atoardas com base em fundamentos duvidosos, são espalhadas visivelmente sem medir as consequências, os efeitos que podem produzir. Nos tempos que correm, essa prática vai piorando uma vez que recorre-se ao recurso das novas tecnologias de informação e comunicação, que ampliam a celeridade com que os rumores circulam entre os guineenses no país e na diáspora, tal como os efeitos que produzem.
ASSIM VAI A GUINÉ-BISSAU!
KAFURÉ