Thursday, September 28, 2023

REFLEXÃO

DE QUEM É O PODER REAL NA GUINÉ-BISSAU?

Agosto 28, 2021
  

Por: Humberto Monteiro

A Guiné-Bissau, tal como muitos países da África, registou várias crises que produziram alterações diversas na vida nacional indo ao extremo de provocar perdas humanas e materiais irreparáveis e avultados prejuízos econômico-financeiros, que dificultam o progresso e o desenvolvimento.

É o rótulo de país de crises cíclicas que pesa, que tem feito parceiros credíveis afastarem-se, sem contar com a desorganização do aparelho do estado, afetado por males cujo saneamento leva tempo devido a ausência dos elementos chaves que garantam a existência do país em bases que não se compadeçam com tolerância face aos erros, injustiças, corrupção, desvios económicos…

Em busca da resposta à questão em epígrafe, pelo menos a mais próxima da realidade, com muito atilamento, centenas de cidadãos pelo país fora, em toka-tokas, táxis, nos mercados, hospitais, escolas (públicas e privadas), na administração pública, falaram não muito, mas, o quanto basta para espelhar o seu sentimento. A maioria das respostas convergiu: OS MILITARES é que mandam no país!

Na recolha das opiniões contou alguma habilidade de puxar conversa, de criar um clima de diálogo envolvente, sem retração, de modo a permitir as pessoas expressarem à vontade, sem qualquer receio de que alguém ouvisse induzisse a criação problemas com o regime. “Tera ka sta bom. Ninguim ka misti bai kalabus” ou então, “djintis na sutadu es tempu”. Sinal de algum receio, injustificado para uns, mas de grande significado para aqueles que entendem que no contexto atual todo o cuidado é pouco desde que se trate da preservação da integridade física. Mas, conversa puxa conversa os sentimentos recalcados vieram à tona e os cidadãos exprimiram MIL COISAS (boas e más) SOBRE KILIS KU NA MANDA (aqueles que mandam no país).

Mas, o essencial das exposições recolhidas resume-se no seguinte:

– A conclusão do processo da reposição da legalidade institucional e democrática, depois dos acontecimentos de 12 de abril de 2012, com a realização das eleições em 2014, no entendimento de muita gente pressupunha o fim da intervenção militar na vida política nacional, sobretudo se se tiver em conta as alterações feitas a nível das chefias militares, a distribuição das funções de responsabilidade, com base em critérios em que a confiança não pode ser descartada, entre outros de suma importância.

Mas, fundamentalmente, as pessoas acham que enquanto as leis nacionais não se sobrepuserem a todos, órgãos de soberania, dirigentes, as pessoas ditas importantes, não deixará de haver condições objetivas que induzam intervenções militares para, alegadamente, repor as coisas nos eixos.

É opinião dos entrevistados de que, enquanto os políticos não conseguirem resumir e centrar as suas atividades no espaço meramente civil, deixando os militares nos estritos parâmetros que lhes são reservados constitucionalmente, periodicamente vão intervir para supostamente resolver situações que os políticos não podem resolver, mas que se revestem de interesses nacionais superiores.

Neste particular, as opiniões dividem-se porquanto uns defendem, que para garantir a ausência integral dos militares no exercício do poder político, há que assegurar-lhes as condições adequadas nas casernas e a devida implementação das leis que lhes dizem respeito em bases dignificantes.

No entanto, há quem defenda que a classe política é que sempre esteve na base das alterações institucionais e constitucionais uma vez que, para satisfazer as suas ambições políticas, sempre recorrem aos militares enquanto detentores das armas esquecendo ou pondo de lado os preceitos legais. Do golpe de estado do 14 de novembro de 1980 aos acontecimentos de 12 de abril de 2012, a classe castrense esteve sempre no epicentro das alterações, não obstante as anteriores garantias pronta e convenientemente dadas do seu afastamento das lides políticas, particularmente das disputas pelo poder e da definição do sistema (e do regime).

Até os últimos eventos da investidura o Presidente da República, pelas mais variadas razões, os militares continuam a ser o fiel da balança do poder na Guiné-Bissau. A resolução e a gestão dos diferendos de ordem política têm cabido, em última instância, aos castrenses, não obstante a clara definição e separação dos poderes consagrados na Constituição da República.

Um exemplo elucidativo é a forma como o atual Presidente da República se assume como militar no poder para repor as coisas no lugar no país, não obstante ter passado à reserva.

O jogo democrático, até aqui, tem muitos capítulos obscuros, que lhe revestem de uma maleabilidade que que pode ser considerada a essência da sua fragilidade. Por tudo isso, não é de estranhar, que apesar das iniciativas saudáveis e louváveis que têm vindo a ser protagonizadas em diferentes quadrantes da sociedade, no sentido da consolidação da democracia em bases universalmente aceites, haja falhas devido às divergências que pautam o relacionamento entre as partes em presença.