Por: Adulai Indjai
“Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim”. Poema de Fernando Pessoa
Quando a ingovernabilidade se torna uma evidência, a única resposta predominante é acusar o inimigo invisível da democracia – o quarto poder (a Imprensa). Porque é que o quarto poder, representa uma ameaça democrática no mundo inteiro? Será porque os governantes não são dignos do poder que exercem? A imprensa é o verdadeiro detentor do poder da verdade?
A democracia é um jogo. Cada jogo dispõe de regras para melhor compreender e jogar com a maior honestidade possível.
O sistema democrático é um jogo complexo, porque, inclui o respeito da vontade da maioria; isto quer dizer que é a vontade da maioria que ganha. Não podemos imaginar um jogo um tanto e quão importante como a democracia sem o respeito das regras democráticas que o compõem.
A democracia é um jogo em que a vitória da maioria permite um grupo de pessoas governar em seu nome para o bem de todo o povo. Ao mesmo tempo, o povo escolhe, também, os seus representantes (deputados), que são investidos do poder de vigiar o respeito das regras e das promessas democráticas. A ironia da história é que os deputados pertencem aos partidos que compõem o governo. Onde que se viu um jogador tentar sabotar o jogo da sua equipa? Acontece raramente, uma pequeníssima percentagem fazer essa prática.
Como é que se pode esperar algo de bom deste processo democrático? É claro que não se pode esperar uma verdadeira vigilância da parte dos deputados do partido que governa. Existe uma outra faceta: a justiça. Mas, neste caso, também, há uma pequena falha. A independência do poder judiciário é, ainda, uma promessa, porque o Procurador Geral da República é ainda nomeado, não é eleito e nem tão pouco é lhe conferido um mandato para exercer durante um período determinado. O poder do povo está completamente fechado num círculo vicioso – “Voto”.
O jogo democrático compõe-se de quatro poderes: Legislativo, Executivo (governativo), Judiciário, sendo o quarto poder a Imprensa. Será este o problema? O facto dos dois outros poderes não terem sido eleitos; não tiveram o voto do povo; não assinaram o contrato para participar na governança. Porque é que a imprensa se serve das prerrogativas das suas autoridades para acompanhar o exercício do governo constituído na sequência dos resultados eleitorais?
Convicção imaginária de ter encontrado um bom culpado.
A crise moral da democracia Guineense é crônica. Pode-se até falar da perda total de sentido. Mas, seria um insulto ao povo guineense, que se respeita, mas também seria ilusório não admitir que estamos perante uma tragédia democrática ao longo dos últimos 20 anos. O nosso processo democrático não dispõe de um equilíbrio que o permita funcionar corretamente. Não por falta de vontade dos que governam, pois tenho a absoluta certeza de que existe a ilusão de que está-se a fazer algo para o bem-estar do povo e do país em que habita. Se não, como é que os políticos guineenses terão assim tanto apego ao processo democrático? Por compaixão, pelo sentido do dever cumprido?
Não obstante, o poder político é sagrado, mas, no sagrado entram todos os componentes, incluindo o “quarto poder”, a imprensa. A sua liberdade é o refletor da bela imagem de um processo democrático.
O porta-voz do governo guineense acusou os órgãos da comunicação social portuguesa na Guiné-Bissau de fazerem propaganda contra o governo, o presidente da república. À priori, o ato de acusação é límpido, mas choca com a razão, pois não ouvimos o senhor porta-voz falar de uma queixa contra essas instituições. Será por falta de provas, do bom senso, ou, porque os jornalistas destas agências não podem ser brutalizados como foram os da imprensa nacional?
Se um poder pode fazer alguma coisa que o permite acusar a imprensa de fazer propaganda é porque possui alguma prova da acusação. Se não é o caso, então o poder comete o que se considera um grande erro em democracia uma vez que o governo eleito deve trabalhar em prol da verdade.
Como é que podemos qualificar esta acusação, sob o ângulo jurídico ou da coexistência política? Dever moral de informar?
Se colocarmos a questão no sentido contrário, será que a imprensa está no direito de questionar a falta de acção dos que foram empregues pelo voto do povo? Será que devemos começar a desconfiar da imprensa que nos lembra que o governo foi eleito segundo uma promessa eleitoral. Se interrogamos sobre o atual estado do país desde 2015, podemos dizer que é muito satisfatório do ponto de vista de cada membro do governo. E do povo?
Com toda a evidência, a realidade não precisa dos órgãos da comunicação social para transparecer à luz do dia: Mas, acusar os outros da nossa insuficiência é muito mais fácil que aceitar a critica e fazer a reflexão adequada da suposta propaganda contra dos detentores dos diferentes poderes na República da Guiné-Bissau.