A imagem da Guiné-Bissau, a boa, a figura alegre, responsável, democrática, enfim… um espaço geográfico que se diga Estado de Direito na verdadeira amplitude da expressão, deve ser edificada com a participação de todos os cidadãos – sejam eles singulares, ou, integrados em coletividades de natureza variada, que não sejam meramente políticas, cujo propósito é servir o país – sem qualquer discriminação de sexo, raça, etnia ou confissão religiosa.
O país precisa do concurso de todos os seus filhos e não só daqueles que se autopromovem e arvoram-se como os melhores com base em critérios desnivelados, vestidos de indumentárias de honestidade, dignidade, que não possuem.
Nesta altura em que, por toda a parte, reinam exigências que não podem ser subtraídas do leque das ações prioritárias, que carecem de intervenções rápidas, designadamente, no sector social, com destaque para a saúde e a educação, por mais que se queira ignorar o que se passa, o cidadão minimamente motivado, sem grandes esforços, chega à conclusão de que algo deve ser feito por alguém ou, concretamente, pelos detentores do poder político no país para evitar que a pressão das canseiras induzam a sociedade a optar pela assumpção de atitudes com laivos de desordem de consequências imprevisíveis.
Se há gente que defende que há melhorias na gestão dos poderes consagrados pela Constituição da República, inversamente, muitos concidadãos apontam dedos acusadores ao estado dos quatro cantos do país para questionar as melhorias de que se fala, em que áreas se processam, e, a partir de que planos ou programas são implementadas.
É preciso muita coragem e desfaçatez para, a partir de dados meramente negativos inferir que tudo vai bem, o país nunca esteve melhor.
PELA BOCA MORRE O PEIXE
Pelo evoluir das coisas no país, ouvidas, e, tendo em conta as promessas eleitorais, supõe-se que os políticos que hoje estão na ribalta, de nomes sonantes, entendem que, efetivamente, o guineense pode viver apenas das palavras – a vinda de cargueiros das arábias, anúncios de carteiras grávidas de contatos pelo mundo fora – podendo, em consequência, dispensar o pão nosso de cada dia contrariando flagrantemente o adágio popular sobejamente conhecido que diz que “saco vazio não se tem em pé”.
Nem tão pouco os milhões de francos CFA distribuídos periodicamente nas chamadas “bases” resolvem os problemas do país na generalidade. Antes, pelo contrário, são meros paliativos dos grandes sufocos que afligem os cidadãos permanentemente colocados perante desafios de sobrevivência num ambiente em que reinam grandes injustiças sociais decorrentes das más práticas de gestão da coisa pública cujo fim, nem os mais optimistas vislumbram num horizonte temporal de curto ou de médio termo. Contudo, paradoxalmente, o jogo democrático guineense continua a ser praticado à base das regras definidas especificamente para que sejam aplicadas e acatadas pelos atores do atual panorama em nome do povo, pelo povo e para o povo. O resto, para fazer face às eventuais veleidades de um ou outro cidadão ou organização da sociedade civil os castrenses aparentemente suportam as modalidades da nova democracia. Neste contexto, observadores atentos falam da existência de milícias ao estilo das chamadas “anguentas” do tristemente célebre conflito político-militar em que o país mergulhou durante onze meses de 1998 a 1999. Um cocktail diversificado, não restam dúvidas.
OS MILHÕES DO ERÁRIO PÚBLICO
Num país em que faz fé, e se generalizou, pelas instituições, a prática da não prestação das contas, não se pode acreditar que a gestão das finanças públicas, tendo em conta as limitações dos recursos geradores de fundos, é tarefa fácil. Existem dificuldades, no aparelho central, de controlar a implementação dos procedimentos adequados nas diferentes estruturas do pelouro para garantir a gestão transparente da coisa pública. E, nisso tudo, acrescem as despesas salariais com os funcionários públicos que não cessam de aumentar, as despesas avultadas com as deslocações ao estrangeiro, liquidação de alegadas dívidas que ascendem a valores astronómicos (sem contar com as verbas disponibilizadas à algumas figuras de proa “apoiar em situações especiais”), para a as parcas posses do país…
É por esse andar, que são processados pagamentos chorudos que escandalizam a sociedade numa altura em que o país vive sob as limitações impostas pela pandemia do Cocid-19 e o mundo é afetado pela recessão, com todas as consequências inerentes, cujos efeitos se fazem sentir mais nos países pobres, particularmente a Guiné-Bissau, que figura na cauda do ranking mundial da pobreza e depende grandemente das ajudas externas para sobreviver. Neste ponto há que sublinhar o agravante das prolongadas greves na educação e na saúde que, devido ao seu impacto na vida nacional, vão ser tratados devida e detalhadamente num espaço próprio.
ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS – A MELHOR PANACEIA
Bem vistas as coisas, a realização de eleições, com alguma regularidade (não obstante as abruptas alterações cíclicas da ordem constitucional e democrática) , enquanto exercício democrático universalmente aceite, tem servido para animar a sociedade e os cidadãos evidenciando os diferentes jogos de interesses protagonizados por indivíduos dos mais díspares pensamentos e conceitos sobre as vias para se ascender ao progresso e ao desenvolvimento.
Das últimas eleições realizadas em 2019, ficam registos de disputas de triste memória. Sobre os resultados, o respeito dos ditames das urnas, enquanto expressão da vontade popular, há muito que se diga. Pelo facto, existem algumas lições e novas definições sobre a implementação das regras democráticas, o exercício do poder, um todo que integra a “nossa” democracia. Até existe nova jurisprudência à qual o poder judicial poderá eventualmente socorrer-se se um dia julgar pertinente e que pode ser de utilidade para deslindar uma determinada situação. Na Guiné-Bissau a história repete-se muitas vezes e nem sempre para as melhores causas.
AS GRANDES PREOCUPAÇÕES DOS CIDADÃOS
Como é óbvio, o povo continua a centrar as suas preocupações nos aspectos que, há décadas, não têm sido adequadamente acautelados pelos governos que se sucederam, apesar de referenciados nos respectivos programas de governação: falta de infraestruturas rodoviárias apropriadas, infraestruturas educacionais e hospitalares escassas, e, em muitos casos, em estado de degradação progressiva; queda do nível de vida; incapacidade de produzir o bastante para garantir a subsistência…
Não deixa de ser preocupação generalizada a notória incapacidade de melhorar os indicadores da riqueza do país não obstante as garantias manifestadas em campanhas políticas.
Presentemente no grupo das preocupações entram as sistemáticas violações dos direitos humanos expressas através do espancamento de cidadãos pelo “delito de opinião”, pensar diferente e em dissonância com o regime, em programas radiofónicos; vandalização de instalações de emissora privada; tentativa de assassinato de ativista político; críticas contra a actuação do aparelho judicial; uso desproporcional, pelas forças da ordem pública, de instrumentos de repressão contra cidadãos indefesos que reivindicam os seus direitos; obstaculização de manifestações com pancadarias à mistura…
E há quem tem o desplante de convocar chusmas de apoiantes, sobretudo do interior, para recepcionar visitantes, bater palmas e gritar vivas, de barriga vazia embora tendo no bolso a recompensa de mil ou dois francos.
E mais retrato não revelo, por enquanto.
Samba-Sadáka Sy